Publicada Quarta-Feira, 22/07/2015

‘Quando você deve, o banco não quer saber se você está vivendo bem’
Professor da Unicamp diz que aumento dos gastos com juros anula economia que o governo tenta fazer. E considera que meta de contenção de despesas para pagamento de juros inviável

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O governo deve anunciar a redução da meta de conseguir uma economia de 1,1% do PIB para pagamento de dívidas este ano, o chamado superávit primário, para menos de 0,2% do PIB. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu desde o início do ano a meta maior. O do Planejamento, Nelson Barbosa, preferia um sacrifício menor, de 0,6% do PIB. Em qualquer caso, todo procedimento da equipe econômica lá em cima repercute na vida das pessoas cá embaixo.

Em entrevista a Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual, o economista Guilherme Mello, professor da Unicamp, alerta que a “obsessão” do debate econômico brasileiro nos últimos tempos, sobretudo a partir do momento em que o governo admitiu haver “problemas graves” que teriam de ser sanados, não pode deixar de levar em conta seus efeitos na vida das camadas mais vulneráveis da população. Para ele, os movimentos sociais e populares criticam o ajuste fiscal justamente por se relacionarem diretamente com essas camadas, que sofrem os efeitos mais “deletérios” do ajuste.

Na visão de Mello, esse “problema grave” não tem origem nas contas públicas propriamente ditas. Com a desaceleração da economia, e depois de promover uma série de desonerações (redução de impostos e encargos para aliviar os custos das empresas), o governo passou a ter dificuldades porque passou a arrecadar menos. “A origem está na queda da arrecadação do governo”, afirma. “Essa dificuldade foi amplificada por alguns setores financeiros, empresariais e da imprensa e se tornou uma grande obsessão desde o início, pelo menos, do segundo mandato da presidenta Dilma.”

E o mercado financeiro é que sai ganhando. “O mercado é o credor da dívida pública. Quando você deve para o banco, o banco não está interessado em saber se você está comendo bem, como é que vai a sua vida. Essa é a preocupação do mercado financeiro: que o governo economize dinheiro para garantir o pagamento da dívida”, explica.

Para o professor, o efeito é perverso para o país. “Quando o governo constrói uma ponte, uma rodovia, um hospital, uma escola, quando investe em assistência social, quando cria condições para que as pessoas possam consumir, gera crescimento econômico e renda, aumento no volume de comércio, de demanda para a indústria. E quando o mercado exige que o governo pare de fazer esses gastos, o crescimento econômico também diminui. A relação é: o governo tem de economizar para pagar os juros, e ao economizar prejudica o crescimento econômico e a geração de empregos.”

E além do ajuste fiscal, como ele assinala, há um ajuste monetário, situação em que o governo corta gastos sociais e investimentos ao mesmo tempo em que aumenta gastos com juros. “Na verdade, o aumento dos gastos com juros é superior a toda a economia que o governo está se esforçando para fazer.”

O economista observa que a equipe econômica está dividida. Alguns setores admitem a necessidade de um ajuste, mas com cuidado para não prejudicar mais a taxa de crescimento e não jogar o país em uma recessão. “Esses setores já sabem que cumprir a meta prometida é inviável. Por quê? Porque quando se projetou uma meta de 1,1% do PIB, no início do governo, a expectativa de crescimento era uma; e hoje já se verifica que o crescimento do PIB e da arrecadação ficou muito abaixo do que se esperava. Por isso, corretamente, alguns setores do governo já vislumbram reformular a meta fiscal para este ano e para o próximo. Até para dar algum espaço que o governo organize algumas políticas de desenvolvimento que permitam ao país voltar a crescer e, voltando a crescer, também aumentar a arrecadação e melhorar o resultado fiscal do governo”, explica Mello.

Uma redução da meta de economia hoje pode contribuir, portanto, para o aumento da arrecadação amanhã, resume o professor. Para ele, a adoção de um sistema de tributação que permita obter recursos junto aos setores mais ricos da sociedade – sobre grandes fortunas, propriedade e heranças, por exemplo – poderia melhorar a capacidade de arredação sem prejuízos aos trabalhadores. No entanto, o avanço de uma legislação tributária socialmente mais justa não teria trânsito nesse Congresso Nacional dominado por interesses de grandes empresários e proprietários rurais.

Fonte: Redebrasilatual